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domingo, 15 de julho de 2007

Grupo Gotan Project



O grupo Gotan Project usa a eletrônica para renovar o ritmo argentino


Carlos Albuquerque - O Globo

* texto originalmente publicado em 27 de setembro de 2003

RIO - Assaltaram a gramática, mas não foram os integrantes do Gotan Project. Eles apenas editaram o tango. Além de inverter suas sílabas, o trio formado por Phillippe Cohen Solal, Christoph Müller e Eduardo Makaroff botou roupa nova no ancestral ritmo argentino. E ficou ótimo. Seu disco de estréia, um brilhante chamado "La revancha del tango", lançado em 2001, reveste o tango de texturas eletrônicas - do dub reggae ao techno - sem perder a ternura e a elegância jamais.

Ironicamente, o Gotan chega ao Brasil - é uma das atrações do TIM Festival - antes do seu próprio disco. Apesar de ter vendido quase um milhão de cópias em todo o mundo, ele não foi lançado aqui. Uma "nape", perdóname, uma pena.

- O disco também não saiu na Argentina, o que é mais irônico ainda - diz Solal, falando por telefone de Paris, onde o grupo nasceu, cresceu e apareceu. - Na verdade, quando ele foi lançado, a situação econômica na Argentina estava muito complicada e não conseguimos um selo ou uma gravadora que pudesse botar o disco nas lojas.

Mas a Argentina não precisar chorar por causa disso. Seu sangue ferve em cada uma das faixas de "La revancha del tango", da arrepiante "Queremos paz", que abre o disco, com um sampler de um discurso de Che Guevara, às regravações de "Vuelvo al sur", de Astor Piazzolla, e do tema do filme "O último tango em Paris", de Gato Barbieri (aliás, argentino também).

- Che Guevara é um dos rostos argentinos mais conhecidos do planeta. Tão conhecido que chega a ser um clichê usar qualquer referência a ele - conta Solal. - Mas resolvemos isso subvertendo o próprio clichê, colocando um guerrilheiro falando de paz, que era tudo o que nós precisávamos em 2001.

Em relação à regravação do tema de "O último tango em Paris", Solal explica que se trata de uma homenagem e também de uma brincadeira.

- Gato Barbieri musicou "O último tango em Paris". E nós estamos fazendo o novo tango em Paris. Dessa forma, achamos que seria interessante jogar com essa dualidade. Além, claro, de a música original ser maravilhosa.

A referência a um filme e sua trilha não foi por acaso. Nem o fato de a música do Gotan Project soar deliciosamente cinematográfica. Antes de criar o Gotan, Solal trabalhou como supervisor musical, atuando ao lado de diretores como Bertrand Tavernier e Lars Von Trier (em "Europa").

- Sem dúvida, o cinema é uma influência indireta no trabalho do Gotan. Temos uma grande preocupação com as texturas e os detalhes. E em nossos shows completamos isso com a ajuda de um VJ, que mixa imagens modernas com outras mais antigas, em preto-e-branco, que dão um ar de dramaticidade que é fundamental ao tango.

Solal fundou o Gotan Project em 1999, ao lado do amigo (suíço) Christoph Müller, ambos músicos, produtores e DJs. Antes, porém, eles surfavam em outra praia, em cima do grupo Boyz From Brazil, em parceria com outro DJ, o inglês Michael Cook.

- Eu amo música brasileira e, por influência dos meus pais, ouvia mais sons do Brasil do que da França quando era pequeno. - explica Solal. - O Boyz From Brazil era uma tentativa nossa de ligar a música brasileira aos ritmos eletrônicos. Naquela época, 1997, 98, ainda não havia muita gente fazendo isso. O projeto foi interrompido, mas não totalmente abandonado. Só que hoje, a concorrência ficou grande. Há muita gente boa no Brasil e no exterior fazendo muito bem essa fusão. E pensando bem, não somos nem jovens nem do Brasil (risos).

O Gotan Project virou trio com a entrada em cena do violonista argentino Eduardo Makaroff. Exilado na França há muitos anos por causa da ditadura militar em seu país, ele teve seu próprio grupo (Tango Mango) e tocou em diversos grupos e orquestras de tango em Paris. Foi Makaroff quem fez a ligação entre o Gotan e músicos argentinos que moravam em Paris, muitos deles exilados como ele.

Convidados pelo trio, o tecladista Gustavo Beytelmann, o percussionista Edi Tomasi, a acordeonista Nini Flores e a cantora (espanhola) Cristina Villalonga, entre outros, entraram em estúdio e deram corpo ao Gotan Project. Mais uma vez, Solal usa o cinema para explicar a fusão entre música tradicional e eletrônica feita pelo grupo.

- A música acústica é realista. A eletrônica é em 3D. O que fizemos nesse disco foi criar ritmos e melodias e deixar os músicos improvisarem em cima disso - conta ele. - Depois, nós editamos tudo, botando efeitos e texturas. Foi como realizar um filme. Nós fizemos o roteiro. Os músicos fizeram os diálogos. Com tudo gravado, nós editamos e dirigimos esse material. Mas não tenha dúvidas. Sem esses músicos, o Gotan Project soaria pobre e sem alma.

A mistura ficou tão boa no disco que acabou sendo levada para os palcos. Em cima deles, o Gotan Project, que depois do Brasil segue em turnê pelos Estados Unidos, é um septeto. Meio homem, meio máquina.

- Fazemos nos shows um pouco do que fizemos no estúdio quando gravamos o disco - diz Solal. - Os músicos garantem a base acústica, orgânica, enquanto eu e Christoph soltamos os efeitos com a ajuda de computadores e teclados.

Esta, porém, não vai ser a primeira visita de Solal ao Brasil. Ele esteve em São Paulo há dois anos, participando da respeitável Red Bull Music Academy, um workshop englobando diversos aspectos da cultura eletrônica, que acontece a cada ano em um país. E ano passado, com o Gotan Project já famoso em todo o mundo, ele repetiu a dose, passeando pelo Rio em novembro. Ele chegou a tocar, como DJ, na festa Boogaloo, que acontece às sextas-feiras, na Lapa.

- Foi ótimo estar tanto no Rio quanto em São Paulo. Meus amigos da Boogaloo me chamaram para tocar de novo este ano, mas não sei se vai ser possível já que vamos levar tanto equipamento para o show que talvez meus discos fiquem em casa.

E Astor Piazzolla, onde o grande mestre entra nessa história?

- Piazolla era um gênio, que levou o tango a outras áreas, como o jazz e a música erudita. O que estamos fazendo é trazer o tango de volta às pistas de dança. E atraindo um público novo para ele. Afinal, somos tão influenciados por Piazzolla como por Kruder & Dorfmeister.

E se você está achando tudo isso - tango, Paris, DJs - muito estranho, talvez seja hora de remixar os seus conceitos. Afinal, Carlos Gardel, a primeira grande estrela do tango, era francês...